Há aproximadamente 25 anos, no centro da cidade de Porto Alegre, por entre os prédios da administração do município, é possível de se ver o crescimento e a transformação da comunidade que ali está instalada, e que de lá há previsão de ser retirada em função das revitalizações trazidas pela Copa de 2014 na cidade. A comunidade chama-se Vila do Chocolatão, e traz estampada em suas casas e becos, assim como nas suas gentes, a marca da desigualdade (re)produzida pelo sistema capitalista vigente na maioria das grandes cidades do globo, sendo chocante a falta de recursos e direitos dos homens e mulheres que nela vivem, e mais espantosa ainda a falta de iniciativa do Estado em garantir instalações minimamente salubres para os que ali habitam.
Entre ameaças de despejos e retiradas forçadas da comunidade dali, eis que no ano de 2009 a prefeitura de Porto Alegre aprova um Projeto de Trabalho Técnico Social, que prevê a realocação da comunidade da Vila Chocolatão, da Av. Loureiro da Silva – n°555 – bairro centro, para a região nordeste da cidade, no bairro Mario Quintana – Av. Protásio Alves – n°9099. O projeto passa a ser veiculado como modelo de atuação em caso de reassentamentos, tendo em vista que reuni, pela primeira vez, em uma dessas ações os poderes municipal e federal trabalham em união, assim como a esfera privada se faz presente na efetivação desse projeto, que visa trabalhar de modo horizontal na realização do reassentamento.
Aos olhos dos mais desatentos, assim como em uma visão superficial da situação, pode-se dizer que o projeto é interessante, e a ação sincera. Contudo, o quanto disso é realmente verdade, e mais o quanto é, ou não arbitrário? Já pensou se algum dia você está em sua casa, fazendo alguma coisa do seu interesse, ou só vivendo a sua vida cotidiana, quando tocam o interfone ou a campainha, e ao atender você é comunicado de que o condomínio onde você mora, será realocado dentro de alguns meses para uma área 12Km distante do lugar onde se encontra atualmente, e mais, nem todos os seus vizinhos serão removidos para nova área, só alguns deles. Não bastasse isso, a garantia de vagas nas escolas nesse novo local é quase nula, tendo em vista que a densidade demográfica dessa nova área é 10 vezes superior à que se encontra o seu condomínio, o sustento previsto nesse comunicado virá através de uma associação criada entre os vizinhos e alocada em um galpão de zinco dentro desse novo condomínio; e a associação de trabalhadores será totalmente dependente da prefeitura para conseguir material para realizar o trabalho, assim como, esse trabalho não pretende – e nem tem condições - de atender a todos os moradores do seu prédio que serão removidos. Você já pensou sobre isso algum dia? Pois é assim que as coisas estão se dando hoje na Vila Chocolatão - e quem abre os olhos para isso? E além, quem faz alguma coisa para que isso não aconteça?
Nos últimos dois anos, não é difícil de se encontrar, caminhando por entre a vila, alguns estudantes de direito ou de geografia, conversando ou jogando bola com os moradores da vila, assim como fazendo reuniões e assembleias, além de apoiar e incentivar as Associações de Moradores e Catadores da comunidade, tudo buscando ser feito da forma mais horizontal possível, não visando um trabalho para a comunidade, mas sim junto da comunidade, tentando com os moradores garantir junto a órgãos como o Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual a dignidade e justiça aos indivíduos da Chocolatão no reassentamento que se aproxima, assim como auxiliando uma possível resistência dos que ali estão há mais tempo e possuem o direito de seguir habitando o lugar.
Contudo, por mais ações e intervenções que se façam dentro e fora da vila, através do empoderamento dos moradores, e da troca de vivências entre os grupo de apoio e a comunidade, ainda assim não é possível assegurar que os diretos básicos já conquistados pela comunidade hoje, onde está, serão mantidos na nova área de moradia, como educação, saúde e trabalho - já que a bagunça e a burocracia em que se encontra o Estado, junto a essa demanda, impossibilita a circulação de informações transparentes, sinceras e confiáveis do processo na sua totalidade.
Por fim, fico me perguntando por que só acontece uma mobilização em massa na cidade, quando os interesses puramente individuais das pessoas são atingidos, e essas mesmas pessoas, ficam assistindo inertes e apáticas, à violação de direitos fundamentais de outros cidadãos, quando essa situação não lhes traz, ao menos diretamente, qualquer prejuízo.
Lara Bitencourt
Associação de Geógrafos Brasileiros - Coletivo de Apoio a Reforma Urbana
em colaboração de
Thiago Nunes
Serviço de Assessoria Jurídica universitária – Grupo de Assessoria a Justiça Popular
Assista ao vídeo produzido pelo GAJUP /SAJU-UFRGS e AGB – Seção Local Porto Alegre