quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Vejam a nota que os estudantes da ufrgs fizeram para publicação no BGG - Boletim Gaúcho de Geografia da AGB


Nota: III EREGEO SUL – TUDO NUMA COISA SÓ[1]

Estudantes de Geografia da UFRGS[2]

O que é, e o que aconteceu no III Encontro Regional de Estudantes de Geografia da Região Sul? Como relembrar um encontro desses sem recorrer a gírias, vícios de linguagem e regionalismos? É, fica difícil... Bah! Então deixemos assim e vamos fazer da mesma maneira como construímos o III EREGEO SUL - TUDO NUMA COISA SÓ, nos entendendo ao longo da caminhada, para que esse texto tenha a mesma “cara” daquele feriado da padroeira brasileira.
Entre os dias 9 e 12 de Outubro de 2009 algumas das escolas de Geografia do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná estiveram no município de Porto Alegre, para trocar idéias, vivências e carinho. Para se encontrarem, em todos os sentidos. Na programação estavam às famigeradas plenárias, os espaços de diálogos, as entradas de campo, as festas e as controversas brigadas. Nossa intenção é colocar aqui como funcionaram, ou não, essas atividades, para que fiquem registrados aqueles momentos e, sobretudo, para que se perpetuem os Encontros de Geografia.
Tivemos que percorrer um longo caminho até o encontro em si. O apoio do Colégio de Aplicação da UFRGS, destacando a professora Adriana Dorfmann e o Diretor Edson Luiz Lindner, foi fundamental. Parte do pátio e as quadras de esportes foram ocupadas pelo colorido das barracas e por um astral fraterno e solidário que nem São Pedro pôde abalar. No segundo dia, com grande maioria dos participantes em campo, o tempo “fechou” e lá se foram os estudantes que ficaram no acampamento realocar as barracas sob a quadra coberta. Ninguém pediu, ninguém previu que alguém teria, de fato, feito isso, mas a felicidade das pessoas em ver suas coisas sãs e salvas foi um momento “tri bom” de se presenciar.
O apoio do Departamento de Geografia, do professor Nelson Rego em responsabilizar-se pelas chaves das salas de aula, da professora Nina Fujimoto pela constante preocupação com o andamento do EREGEO, da SAE e da Prefeitura do Campus do Vale, também foram imprescindíveis.
A todo instante buscávamos fazer um Encontro que tivesse a nossa cara, a cara dos estudantes, a cara da nossa grafia. A cada reunião no DAGE e a cada COREGEO (Conselho Regional dos Estudantes de Geografia) tentamos aumentar a autonomia do Encontro e, conseqüentemente, dos próprios estudantes. Buscávamos, assim, possibilidades para que o EREGEO não fosse mais um dos diversos encontros realizados para serem consumidos, onde participar resume-se a estar presente nas atividades da grade de programação. Queríamos (regionalmente) que participar fosse sinônimo de construir, conjuntamente.
Chegou-se, portanto, as brigadas. As brigadas são nada mais, nada menos, do que agrupar os “encontristas” em diversos coletivos dentro do Encontro, para que cada coletivo cuide de uma função dentro do mesmo. Apenas uma simples divisão de tarefas visando cumprir as necessidades básicas do todos ao longo dos quatro dias: limpeza, alimentação, segurança e infra-estrutura, essa última ficando sempre a cargo da escola sede.
O que estava, realmente, no nosso horizonte, era gerar uma integração forte entre os “encontristas”, consolidando o EREGEO SUL, que ainda é apenas um “piá”. Neste sentido grande acerto foi termos como local de convergência das atividades o Centro de Vivências (CV) no Campus do Vale. Este espaço serviu de referência e foi utilizado para festas, mesas redondas e plenárias, além de local para tomar o café da manhã. A centralidade do CV e o fato de termos um alojamento único e um local central de refeições (o RU – Restaurante Universitário) foram essenciais para a fluidez dos acontecimentos, afinal de contas, o espaço não pára.
            Por ser justamente um acontecimento construído pela participação dos estudantes que resolvemos escrever coletivamente esta nota. E mostramos, agora, manifestações espontâneas que surgiram após o encontro, através de listas de grupos por correio eletrônico, corroborando exatamente as intenções horizontais e coletivas para, e durante, o Encontro (“Tudo numa coisa só”).
Geografia é Amor.
RELATOS DOS “ENCONTRISTAS”:[3]

Mensagem eletrônica 1
Caramba, o que dizer desse encontro... Difícil encontrar palavras para sintetizar tudo aquilo que vivemos e compartilhamos nesse ultimo feriadão. Nunca vi uma participação tão massiva dos encontristas, diálogos e discussões tão construtivas, um encontro que beirou a perfeição em todos aspectos pois tudo planejado funcionou, desde a programação, as brigadas, os campos, as intervenções, as apresentação de trabalhos, os espaço de diálogo, as oficinas, os GT's, o alojamento, os banheiros, as festas, enfim, cada um daqueles que participaram desse encontro tem uma parcela desses momentos proporcionados durante o encontro. Ainda olho pra trás e ainda me vejo em 2007 em Cáceres, relembrando nossas primeiras conversas, onde alguns malucos sonharam que era possível nos organizarmos regionalmente, fazer um encontro. Talvez não esperássemos uma resposta tão rápida pra tudo isso. Ainda temos muito a avançar, nessa longa caminhada, mas a cada passo é mostrado o quanto somos capazes e do quanto podemos transformar nossa sociedade.


Mensagem eletrônica 2
Eu to tão feliz que quero compartilhar isso com todo mundo! Nas brigadas todo mundo pegava junto, não tinha tempo ruim pra ninguém. A verdadeira concepção de brigadas foi atingida, a de ver como a gente é enquanto indivíduo no coletivo, nossa atuação, de como nossa intervenção é importante, qualquer que seja. No GT de organização regional, proposto pelo Cid, conseguimos avançar bastante na nossa organização enquanto movimento estudantil de Geografia, conseguimos (des)nortear o que buscamos e como podemos fazer. Não sei se vai dar certo, mas tentamos da forma mais sincera. A oficina do Izé foi muito elogiada, eu e o Renan tocamos as camisetas e galera fez junto, ninguém reclamou. E no último dia, o pessoal do Paraná colocou  mão na massa sem nenhum intuito de obrigação, ou de fazer favor, simplesmente porque era um interesse coletivo. As saídas de campo, em forma de “geo na rua” (nossas intervenções) foram perfeitas. O pessoal que foi pro assentamento ajudou a montar barraco etc., entendo que pra se aprender sobre a questão agrária, tem que ter alguma relação com ela para além dos livros e fotos tiradas nas saídas de campo tradicionais. A gurizada que foi pra ocupação urbana da Comunidade Autônoma Utopia e Luta, iniciaram a construção de uma estufa para a horta, um forno e um mosaico com a figura da América Latina. Descobrimos que a geografia urbana que a gente faz ainda é muito limitada, conhecendo as geografias das pessoas organizadas que reivindicam a cidade. Falando em cidade, o campo para as vilas do bairro Cristal, mostrou o que faz o poder público, as leis e da verdadeira necessidade daquelas pessoas excluídas em se organizarem. A Deriva proporcionou a percepção do sujeito na cidade, mostrando outros olhares nas contradições do nosso cotidiano. E o mais legal é que tudo isso vai continuar! A mesa sobre educação popular foi muito bacana, o pessoal dizendo que tiveram muitas idéias e que vão agregar por outro ensino, não destes que a gente lê nos livros, mas da geografia que se faz para aqueles que nem dinheiro tem pra comprar um livro. Que geografia a gente quer pensar... Enfim, pra mim foi o melhor encontro do mundo porque todo mundo participou, pegou junto, nas festas, nas atividades. Ninguém tinha que pedir, a integração foi tanta que as coisas aconteciam organicamente sem regras nem regimentos, mostrando o que é e o que deve ser a organização coletiva, baseada na solidariedade e no apoio mutuo. Até a plenária final foi boa! Como disse o meu amigo Márcio, estamos saindo da geografia crítica e indo para uma geografia prática.

Mensagem eletrônica 3
As ENTRADAS A CAMPO foram diferentes de tudo que havia visto em encontros. Entramos, interagimos, atuamos, transformamos, aprendemos e ensinamos em espaços que traziam a marca da opressão, mas também da luta, do sentimento de superação e da organização. Dentro de uma ocupação na cidade, no prédio da COMUNIDADE AUTÔNOMA UTOPIA E LUTA, aprendemos o que a AUTO-GESTÃO pode realizar se bem feita. Na ocupação de beira de estrada, o acampamento do MST. "MST, a luta é pra valer", "reforma agrária, por justiça social e soberania popular", "Pátria livre! Venceremos!" são alguns dos gritos de ordem desse movimento de luta organizado, que são muito mais que gritos de ordem e sim expressam os sentimentos desse povo guerreiro, que enfrenta inúmeras lutas de rosto erguido, lutas que por vezes levam a vida de alguns companheiros, como Élton Brum da Silva. Na cidade de Porto Alegre, na saída de campo do bairro Cristal, pudemos entender a produção do espaço urbano por quem sofre as conseqüências de um capitalismo ignorante e hipócrita, que constrói um mega shopping no meio de um bairro onde moram dezenas de pessoas miseráveis, que para sobreviver precisam catar o lixo que cada um de nós deveria cuidar! Além disso, expulsa essas pessoas para as periferias, em um processo de segregação urbana e marginalização dos oprimidos! "A MISÉRIA NÃO SE ADMINISTRA, SE COMBATE" é uma frase que eu pude ler uma das camisetas usada por um companheiro do encontro. A deriva pela cidade foi fantástica. Lembra da lendária oficina de coesão de corpo de grupo? Nessa entrada a campo as pessoas se utilizaram das diferentes ferramentas de percepção de si mesma no espaço, dos outros e do entorno, no espaço urbano. Para completar, com a chuva que caiu no meio da tarde, os participantes tiveram o nítido sentimento de como a percepção do espaço se transforma durante uma precipitação pluvial. As entradas de campo, históricas, fantásticas, arregaçaram a vontade de pertencer a esses espaços de transformação e de defender os espaços de opressão a partir das percepções que temos desses espaços e das pessoas que encontramos neles. CONSTRUAMOS JUNTOS UMA NOVA SOCIEDADE! "Precisamos entender a geografia dos outros" disse uma encontrista! Precisamos dar intencionalidade aos nossos campos. O que queremos com nossos campos? Esse encontro pode ter nos ensinado um pouco mais sobre isso!
E o pós-campo? Nunca dá certo! Errado, no EREGEO SUL 2009, DEU. Tivemos um pós-campo ótimo. Como tu achas que eu sei o que aconteceu nos outros campos? Em volta de uma fogueira, no meio do acampamento, sob chuva ferrenha, interagimos e dialogamos sobre o que fizemos nas entradas a campo.


Mensagem eletrônica 4
A apresentação do violeiro Pedro Munhoz foi um momento de forte auto-afirmação no EREGEO. Dotado de largas habilidades com o violão em arpejados precisos, o músico autodidata com influências do estilo ibero-americano complementa suas músicas com letras perspicazes na temática ecológico-social cantadas em linguagem popular. O tom explícito de algumas frases como o refrão “A terra é uma laranja/ qualquer dia vai murchar” contrasta com a sutileza de outras como “N'um tem cantiga/ passarinho emudeceu/ N'um tem alegria/ Você longe de eu” revelam grande sensibilidade e responsabilidade expandidas em mais de trinta anos de estrada musical.
A presença de uma voz predominante, e notadamente mais calma e experiente, enquanto os outros escutavam atentos, foi por si só um momento de quebra na constante do encontro. A maneira íntima como se relacionou com o pequeno público de estudantes de geografia durante a apresentação foi digna de um conselheiro simples que, com razão, ganha o foco para si e o coloca com ares de um sábio bate-papo. O modo da sua fala não pode ser outro se não o de quem tem vivência e integridade com os relevantes assuntos de que dialoga. Nos primeiros contatos com o Pedro Munhoz houve receio sobre nossa disponibilidade de recursos financeiros para trazê-lo ao EREGEO. Não queríamos insultar seu trabalho ascencionado. Daí então o próprio Pedro nos deu termos realmente acessíveis: o valor da venda de 30 de seus CD's para custear o deslocamento e uma boa amplificação. Conseguimos proporcionar apenas o primeiro item e foi o que recebeu para oferecer o aprendizado de um artista genuinamente popular. Que posteriormente em seu blog também nos emocionou com seu breve relato “Olha, foram momentos marcantes na vida deste trovador. Creiam!O encontro aconteceu no Campus Vale da UFRGS,em Porto Alegre, num espaço bastante apropriado para se cantar e trocar idéias. No final, muita emoção quando cantamos juntos a Canção da Terra. Saudações!!! Não citarei nomes, pois fica dificil lembrar de todos/as. Repito: Foi um momento ímpar na vida deste caminhante, que a mais de duas décadas, anda pelas estradas do mundo. Saludos, queridos hermanos! Vamos em fente!”

        “Salve o artista popular! Salve a coletividade! Salve a educação popular! Salve a geografia prática!”.


[1]            Os primeiros encontros foram realizados na cidade de Florianópolis-SC nos anos de 1998 e 2008

[2]            Texto escrito coletivamente pelos estudantes de Geografia da UFRGS
[3]           Relatos extraídos dos grupos de e-mail’s: coregeo_sul@yahoogrupos.com.br e coneeg-brasil@yahoogrupos.com.br